Ainda não deixei de ser estabanada
Um dos exercícios mais interessantes que fiz no curso de Mindfulness foi o de (tentar) realizar tarefas do dia-a-dia com atenção plena. Imagine tomar banho prestando atenção o tempo todo no que está fazendo e sentindo. Ou escovar os dentes.
Não sei você, mas eu costumo fazer essas tarefas no automático. E minha cabeça viaja descontroladamente. De repente, estou pensando em coisas totalmente aleatórias e nem sei como cheguei nelas. Às vezes, meu devaneio vai tão longe que preciso me esforçar para lembrar se já passei xampu.
Pois bem, uma das atividades que me propus a fazer atentamente durante o curso foi jantar.
É engraçado, porque sempre me considerei uma pessoa estabanada. Naquela época, estava solteira e comia sozinha. E quase toda vez que levava meu prato para a mesa, os talheres caíam.
No dia que decidi preparar minha refeição concentrada no que estava fazendo, no momento presente, finalmente percebi por que os talheres caíam. É meio ridículo, meio óbvio, mas basicamente o garfo e a faca caíam pela forma como eu os colocava em cima do prato e, depois, erguia tudo para levar à mesa.
E eu nunca tinha parado para pensar nisso porque nunca estava presente de verdade naquele momento. De repente, caiu minha ficha que o rótulo de estabanada não fazia muito sentido.
Era uma questão de atenção ao que estava fazendo. Era uma questão de fazer aquele movimento de uma forma distinta, intencionalmente.
O curso e a prática de mindfulness me deram muitos insights. Este dos rótulos foi um dos mais marcantes.
No fundo, muitos destes rótulos nada mais são do que hábitos. E hábitos podem ser quebrados. Mas isso exige esforço e intencionalidade.
Tente fazer o exercício de prestar total atenção em algo que você costuma fazer no automático. É um esforço grande. Às vezes chato, incômodo. É muito mais fácil seguir pensando em outras coisas e cair no hábito. Contudo, quando conseguimos, é recompensador.
Esse exemplo é meio banal. Mas acho que a ideia pode ser transportada para outros rótulos que nos colocamos. Por exemplo: “sou ruim de matemática”. Será? Será que direcionei meus esforços para aprender matemática de uma forma que faça sentido para mim? Será que eu não simplesmente acreditei em um rótulo que me impus ou que tentaram me colar?
A ideia aqui não é Xuxa em Lua de Cristal (“Tudo pode ser, só basta acreditar”). É mais complexo. Exige esforço. Intencionalidade. Persistência. Prática deliberada. Cada pessoa vai ter seu próprio ritmo e tempo.
Às vezes, o processo de aprendizagem e transformação é doloroso e cheio de frustrações. Às vezes, podemos chegar à conclusão de que o tempo e o esforço nem valem a pena.
Mas a crença de que podemos continuar nos desenvolvendo - aprimorar nossa inteligência, melhorar nossas habilidades e até mesmo mudar traços da personalidade que nos incomodam - é essencial para conseguirmos de fato uma transformação.
É basicamente isso que a psicóloga Carol Dweck explica em seu livro Mindset.
O primeiro passo para o desenvolvimento é a crença de que é possível, de que somos capazes, o chamado Mindset de Crescimento. E um dos fundamentos científicos desta teoria é a neuroplasticidade. Nosso cérebro é sim capaz de se desenvolver, mesmo na idade adulta.
Em seu famoso TED Talk, Carol fala do poder do “ainda”. Gosto muito desta abordagem. Em vez de dizer, “não sei cozinhar”, posso dizer “ainda não sei cozinhar”. Isso abre caminhos que parecem fechados no primeiro “não sei”. Hoje, não consigo. Amanhã, posso ser capaz. Isso é, em parte, ter mindset de crescimento.
Então, poderia dizer que “ainda não deixei de ser estabanada”, mas talvez hoje seja um pouco menos do que ontem.