Como Aprendemos?
De que forma as organizações podem apoiar os profissionais em seu processo de aprendizagem?
Por exemplo, práticas de segurança do trabalho e sustentabilidade, adoção de novos sistemas, mudanças comportamentais, reflexões, entre outras.
Hoje, lidamos com muitas destas questões com cursos. Como se todos os problemas que envolvem aprendizagem pudessem ser resolvidos na sala de aula, seja com metodologias ativas ou mais expositivas.
Mas será que levar as pessoas para uma sala de aula ou oferecer um conteúdo de e-learning, vídeo-aula ou meios semelhantes são a forma mais eficiente e eficaz de aprender todas estas coisas?
Provavelmente, não.
Seres humanos nascem aprendendo. Hoje, um grupo de pesquisadores e neurocientistas acredita que aprendemos a partir da busca de padrões, do que eles chamam de statistical learning. Isto é, da busca de regularidades em nós, nos outros e no ambiente.
Conforme uma situação vai se repetindo (o contato com um objeto, uma expressão facial, uma música etc), vamos automaticamente percebendo e armazenando no cérebro representações destas experiências.
Só que elas nunca estão sozinhas. Seus cinco sentidos estão ligados o tempo todo. Os movimentos internos do seu corpo (pressão sanguínea, nível de glicose, batimento cardíaco etc.) e os motores também não desligam.
Quando vemos um livro pela primeira vez, talvez não saibamos que precisamos focar no livro, que aquele é um objeto distinto, que requer nossa atenção. Junto com o livro, pode vir um colo, uma voz, um sorriso, um gesto (virar a página, por exemplo), um sentimento geral positivo e de calma. Se este padrão se repete, a aprendizagem do conceito “livro” vai incorporando todas estas dimensões multimodais.
Em outras palavras, o livro não é apenas o objeto físico, mas todas as dimensões que ajudaram a moldar este conceito a partir das suas experiências.
Agora pensa que todo o nosso aprendizado na infância se dá desta forma. Reconhecimento de padrões que envolvem seus 5 sentidos, movimentos, sentimentos gerais positivos ou negativos e as ações internas do seu corpo (pressão, respiração, coração).
Se partirmos deste princípio, tudo o que aprendemos envolve estas dimensões. Nossos conceitos e palavras estão todos embrenhados das nossas experiências passadas, da nossa história.
Também podemos concluir que aprendemos socialmente. É na interação com o outro e com o mundo que desenvolvemos conceitos, sentidos e significados. Nossa construção do mundo se dá a partir das nossas relações sociais e culturais.
Mais do que isso, cientistas têm demonstrado que é o próprio aprendizado social e cultural que constrói o nosso cérebro, concretamente falando. Claro que temos uma base genética que nos deixa prontos para a aprendizagem cultural. Mas, se não houver outro humano para interagirmos, não nos tornamos humanos.
A cada interação com outra pessoa construímos novas conexões neurais, desenvolvemos os wirings que constituem nosso cérebro. É nesta interação entre os genes, a história pessoal e a cultura que nosso cérebro vai desenvolvendo conexões únicas, idiossincráticas, diferentes de todos os outros cérebros.
Isso implica que pessoas inseridas na mesma cultura tendem a ter conexões mais parecidas do que de outras culturas. Mas, mesmo na mesma cultura, embora as pessoas partilhem conceitos e experiências semelhantes, elas nunca vão ser iguais.
E, como se não bastasse todo este barulho, há mais uma camada a inserir. Nosso cérebro não reage aos estímulos dos nossos sentidos para gerar ações e movimentações do nosso corpo. Não é isso que acontece.
Em vez de trabalhar a partir de reações (reações emocionais de um estímulo, por exemplo, como quase todos acreditamos e aprendemos no passado), nosso cérebro trabalha a partir de previsões.
Previsões, em vez de reações. O que significa isso na prática?
Significa que, quando estamos em certo contexto, por exemplo, numa rua escura, não reagimos com medo. O que acontece é que, dependendo das nossas experiências passadas (incluindo aí leituras e filmes), prevemos que situações como aquela significam medo — e sentimos.
Funciona mais ou menos como o cache de um navegador de internet ou como uma plataforma de streaming, que não precisa reproduzir cada frame a cada novo movimento da imagem, mas apenas os pixels que se alteram na cena.
Assim, quando estamos em uma situação nova, temos mais dificuldade de prever seu sentido. Por isso, o estado do nosso corpo muda. Gastamos mais energia tentando prever o melhor comportamento, o significado que faz mais sentido, tentamos encontrar equivalentes daquela experiência em nosso passado; avaliamos informações dos nossos 5 sentidos e dos movimentos internos e incorporamos em nossas previsões.
O que acontece é basicamente um ciclo de previsões e comparações destas previsões com as informações trazidas pelos nossos sentidos. Se a situação é rotineira e habitual, não há necessidade de decodificar todas as informações dos nossos sentidos o tempo todo. Caso contrário, temos o processo mais cansativo e de gasto metabólico mais alto de tentar corrigir nossas previsões e armazenar novas representações no cérebro.
Isso tudo significa que nosso presente está cheio de passado. Quando vemos ou ouvimos alguma coisa, não necessariamente estamos observando a realidade, mas nossas representações passadas desta realidade.
Um experimento realizado recentemente ofereceu um prato de carne para 2 grupos diferentes de pessoas. Para o primeiro grupo, os pesquisadores disseram que a carne era orgânica, criada em uma fazenda com cuidados especiais. Para o segundo grupo, disseram que se tratava de uma carne produzida em uma grande indústria. Na verdade, tratava-se da mesmíssima carne.
Resultado? Isso mesmo que você previu, o grupo que comeu a carne embrenhada da narrativa orgânica não só reportou gostar mais do prato, como também comeu quantidades maiores do que outro grupo! Por quê? Porque previram o sabor da carne e, com as informações sensoriais que tinham, nada indicava que precisam corrigir esta previsão. Então sentiram aquilo que previram.
Outra situação também relacionada com comida. Imagina uma festa em que os alimentos são servidos da seguinte forma: carne louca numa fralda; vinho branco em um copo coletor de urina; cuscuz num saco de vômito. Tudo novo e bem limpo. Você comeria? Talvez sim, mas, provavelmente sentiria nojo. Talvez tenha sentido algo do tipo apenas lendo este parágrafo. Mais uma vez, as previsões atuando. Contextos de fralda em nossas experiências passadas não combinam com comida e assim por diante.
Ok, mas qual é a implicação de tudo isso para a aprendizagem de adultos?
São muitas e ainda estou pesquisando e refletindo a respeito. Mas aí estão alguns exemplos.
- Adultos têm um repertório de experiências amplo e vão usar este repertório para prever as situações (inclusive as valências afetivas — bom ou mau, positivo ou negativo) que fazem parte de um conceito
- Nenhuma experiência ou interação é desprovida de afeto. Não desligamos nenhuma das funções do nosso corpo, então sempre vão haver informações dos 5 sentidos, das ações internas (pressão, batimento cardíaco etc.) e dos movimentos motores do nosso corpo associadas a palavras, objetos e vivências.
- Se precisamos aprender algo novo, como, por exemplo, como nos comportar em uma empresa nova, vamos agir de acordo com nossas experiências passadas de estar em um local novo. Os rostos das pessoas, os cheiros, os cumprimentos, o conforto, tudo vai influenciar na experiência.
- O que nos interessa aprender? Talvez aquilo que tivermos dificuldade de significar. Que tipo de roupa as pessoas usam? Que horas e onde as pessoas costumam almoçar? Como se dá às relações de hierarquia? Quem são nossos colegas? Qual é a linguagem, siglas e jargões que as pessoas usam? Em que ritmo as pessoas trabalham? Elas são acolhedoras?
- Estes interesses são pessoais, mas tendem a ter algumas semelhanças quando as pessoas compartilham uma cultura.
- É bom lembrar que as previsões das pessoas podem estar erradas. E, neste caso, elas podem se acomodar com uma certa ilusão (o que provoca um menor gasto metabólico) ou tentar usar as informações trazidas pelos 5 sentidos para corrigir suas representações no cérebro, e, assim, ir melhorando suas próximas previsões (ressignificando e aprendendo).
- Quando trazemos informações novas, solicitamos novos comportamentos, nosso ciclo de revisões e correções por meio das informações dos 5 sentidos e dos movimentos internos no nosso corpo (exteroceptivos e interoceptivos, respectivamente) trabalha ativamente. É natural considerar incômodo ou cansativo.
- Por isso, conhecer como as pessoas se sentem em relação a certos temas — e não apenas a racionalização destes temas — é relevante. É preciso primeiro criar condições para que as pessoas estejam abertas a certos aprendizados
Enfim, estas são apenas algumas ideias iniciais. Certamente, há um caminho muito mais longo para refletir a respeito destes processos de aprendizagem.
Quanto mais estudo o assunto, mais fascinada eu fico.