Precisamos tratar adultos como adultos

Nira Bessler
4 min readOct 22, 2020

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Photo by Joshua Ness on Unsplash

Precisamos tratar adultos como adultos. Não sei você, mas tenho me deparado com esta frase — ou variações dela — com frequência ultimamente. Concordo com a ideia por trás da sentença, mas acredito que é preciso cautela com a interpretação que podemos dar a ela.

O adulto mais adulto de que já ouvi falar é o Amyr Klink. Tudo bem, estou influenciada pela leitura recente e tardia do maravilhoso livro de estreia do navegador, “Cem dias entre o céu e o mar”. Agora, convenhamos, Amyr Klink é um grande exemplo de alguém que soube amadurecer. E já já vou explicar por quê.

Quando penso em um adulto, penso em dois conceitos complementares: autonomia e responsabilidade.

Aprendizagem, autonomia e responsabilidade

Na aprendizagem, fala-se muito da importância de desenvolver autonomia. E, quando se fala em adultos, a aprendizagem autodirigida vem ganhando cada vez mais força.

Muito porque, em um mundo em constante e veloz transformação (o famoso mundo VUCA), em que as pessoas precisam de adaptar e aprender constantemente, a autonomia e a autodireção na aprendizagem se tornam mais e mais relevantes. É preciso aprender com agilidade e de forma que faça sentido, para acompanhar tantas mudanças, especialmente no mundo do trabalho.

Só que muitos de nós estamos acostumados, pela educação tradicional, a ser ensinados — ou melhor, a acreditar que somos ensinados. Queremos receber conteúdos prontos, quase goela abaixo, como se fôssemos uma esponja capaz de absorver conhecimentos passivamente.

Acontece que não é assim que seres humanos aprendem. Toda aprendizagem é ativa! Nosso cérebro e nosso corpo precisam se mobilizar para que a gente consiga transformar informação em reflexão e ação. E essa mobilização depende dos nossos interesses e emoções. Ninguém aprende sem atenção, sem interesse, sem sentimento.

Talvez as ideias de que precisamos ser ensinados — e mesmo comandados — é que têm sido muito associadas à infantilização. E, nesse sentido, concordo completamente que precisamos tratar adultos como adultos. Deixar que façam as escolhas de suas jornadas de aprendizagem, por exemplo.

Autonomia versus individualismo

Mas, na minha visão, precisamos tomar um cuidado: autonomia é diferente de individualismo.

Autonomia exige também responsabilidade. Amyr Klink é alguém que conseguiu unir estas duas pontas de forma impressionante. Entre suas muitas façanhas, ele atravessou sozinho o Atlântico em um barco a remo.

Ouvindo assim, parece loucura. Mas de maluco ele não tem nada. Cada decisão da viagem foi pensada e planejada, a tal ponto que o navegador conseguiu manter-se tranquilo durante praticamente toda a expedição. Antecipou-se para conhecer os riscos e lidar com as dificuldades do caminho e conseguiu apreciá-lo, mesmo diante dos obstáculos que enfrentou. Eles faziam parte da jornada e Klink sabia disso.

Ao mesmo tempo, estava claro que não poderia responsabilizar ninguém senão ele mesmo caso algo desse errado. Este é o outro lado da moeda da autonomia, a responsabilidade. Como disse o tio do homem-aranha, “com grandes poderes vêm grandes responsabilidades” (hum, será que estou infantilizando este texto?, haha).

Isso significa que Klink fez tudo sozinho?

De maneira nenhuma! E aí está a diferença que queria ressaltar neste artigo. Amyr Klink teve apoio de muita gente em todas as etapas do seu empreendimento. Desde o planejamento, a montagem do barco, até durante a viagem em conversas por rádio. Uma rede de pessoas dispostas a ajudar.

Autonomia e responsabilidade não significam deixar as pessoas à própria sorte!

Adultos no mundo corporativo

Nas organizações, têm-se falado muito em protagonismo do profissional. E, mais uma vez, concordo. Mas isso não significa deixar todas as responsabilidades na mão do indivíduo e isentar a organização de seu papel.

E que papel é esse? Nigel Paine, no livro Workplace Learning escreveu: “Uma cultura de aprendizagem é menos sobre a aprendizagem em si e mais sobre criar as condições para que ela aconteça.”

Então, se a organização quer que adultos ajam como adultos, precisa tratá-los como tal, mas também compreender que tem uma atuação relevante para que os profissionais sigam na direção da autonomia e da responsabilidade.

O papel das empresas

O que significa criar as condições para que a aprendizagem aconteça? Desenvolver um ambiente de confiança entre as pessoas é um bom começo. Incentivar o compartilhamento de informações, inclusive de erros cometidos, para a empresa possa aprender com insights sobre problemas passados.

Largar os profissionais à própria sorte e puni-los por todo e qualquer erro, sob o argumento de que têm que se responsabilizar, pode levar a consequências indesejadas — medo de ser punido, competição e individualismo - que em nada favorecem a aprendizagem em seu sentido mais amplo (insights sobre erros e acertos, por exemplo).

Se o ambiente dominante for de medo e de punição sobre erros cometidos, como incentivar a reflexão e o aprendizado sobre estes erros? Como gerar a confiança necessária para que as pessoas estejam abertas ao novo?

Então, o ponto que quero ressaltar é: sim, precisamos tratar adultos como adultos. Incentivar a autonomia e deixar que profissionais tomem decisões sem microgerenciamento e controles desnecessários. Mas não, isso não isenta a organização de sua responsabilidade, que, entre outras, é a de criar uma cultura e um ambiente que favoreçam a aprendizagem e a ação madura das pessoas.

P.S. Existem muitas dimensões do significado de tratar adultos como adultos. Claro que meu olhar é influenciado pela minha paixão pelo tema da aprendizagem nas organizações. Na sua visão, quais são as outras perspectivas possíveis?

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Nira Bessler
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Written by Nira Bessler

Lifelong learner. Apaixonada por aprendizagem.

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