Mas não tem remédio pra livrar-me deste… Será?

Nira Bessler
4 min readDec 8, 2019

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Você consegue se imaginar preso sozinho em um quarto sem nenhuma distração? Sem celular, sem televisão, sem livros, sem rostos diferentes, sem canetas, sem uma mísera caixinha de fósforos? Nada. Nem janelas. Nenhum objeto à vista.

Quanto tempo você aguentaria ficar num lugar como este sem enlouquecer?

No conto Xadrez, o autor Stefan Zweig imagina esta situação do mais profundo tédio. Até que o protagonista entra em contato com um livro que compila as jogadas de um grande mestre de xadrez. Sua única atividade possível passa a ser repetir mentalmente todas as partidas do livro. É seu remédio contra o enfado.

E como já dei spoilers, posso contar: quando ele sai, é claro, torna-se um grande jogador. Mas também alguém traumatizado, que prefere ficar longe do xadrez.

Uma amiga que é pedagoga uma vez me disse: precisamos deixar as crianças sentirem tédio. Elas precisam aprender a lidar com isso. Afinal, não há nada melhor para gerar criatividade do que “uma página em branco ou um quarto vazio”.

Imagem: https://tenor.com/view/langeweile-schule-school-boredom-bored-gif-5718827

Mas o que a criança aprende quando está entediada? Basicamente, a fantasiar. A desligar um pouco do presente e da realidade. Entediadas, elas criam histórias, imaginam situações. É uma habilidade fundamental a ser desenvolvida — lidar com momentos enfadonhos inevitáveis na vida, de uma forma saudável e criativa.

Nós, adultos, fazemos a mesma coisa. Quando nos dedicamos a atividades maçantes, tendemos a entrar no automático, a “sonhar acordado”, divagar. Perdemos o foco e a atenção no momento (e, então, usamos técnicas como mindfulness para voltar — mas isso é outro assunto).

O tédio é um estado aversivo, em que desejamos, mas não podemos, nos engajar com atividades satisfatórias. Está ligado a sentimentos de desagrado, tristeza, vazio, ansiedade e até raiva. E está totalmente conectado com a atenção ou a falta dela, como mostra este artigo.

Você já deve imaginar aonde quero chegar, já que meu assunto preferido é aprendizagem de adultos.

Como você se sente em sala de aula? A resposta, provavelmente, é: depende. Depende do tema, do professor, do seu humor no dia etc. Mas não dá para negar, adultos e crianças muitas vezes associam este espaço ao tédio. Todo mundo anseia pela hora do recreio ou do coffee break.

A sala de aula — e seu primo e-learning — deveriam ser espaços propensos ao aprendizado, mas, em vez disso, são (com louváveis exceções) templos do tédio e da falta de atenção, seus arqui-inimigos.

Pesquisas mostram que aprender tem uma correlação negativa com o tédio. Ele piora o desempenho acadêmico, o que leva a mais desmotivação e tédio, o que piora ainda mais o desempenho…

Ao mesmo tempo, a correlação da aprendizagem é positiva com a atenção (atingindo seu ápice num estado conhecido como “flow” ou fluxo).

Em resumo, o tédio reduz a atenção no momento. Como um antídoto, nossa mente divaga, voa longe ou então fica ansiosa e irritada. Estes estados mentais nos desconectam do processo de aprendizagem. E a aula acaba tendo muito pouca efetividade.

Se a escola é (ou deveria ser) um lugar de aprendizagens, por que está tão associada à chatice?

Antes de qualquer coisa, é bom lembrar: aprendizagem e educação são coisas diferentes. Nosso sistema educacional nem sempre favorece o aprendizado.

Despejar um monte de conteúdo, sem se preocupar em como ele está sendo recebido, não é exatamente ensinar.

Não é à toa que um dos princípios da Andragogia — aprendizagem de adultos — é a Motivação. “ Fatores externos como salário, carreira e empregabilidade podem até estimular o adulto a aprender, mas a verdadeira energia mobilizadora está nos fatores intrínsecos, ou seja, sua satisfação, o reconhecimento obtido e sua autorrealização.”

Cognição e afetividade são indissociáveis. Portanto, emoções são essenciais para o aprendizado.

Se não entendemos por que estamos aprendendo, se não faz sentido para nós, se não tem significado, se é cansativo e maçante, teremos muita dificuldade de prestar atenção e, portanto, de aprender (podemos treinar atenção com técnicas como mindfulness ou outras estratégias mentais. Mas o ponto é que não dá para colocar a responsabilidade da atenção inteiramente na mão do aprendiz, como muitas vezes acontece hoje. Submetê-lo a uma situação desinteressante e entediante e depois culpá-lo pela falta de atenção não é inteiramente justo).

Estou dizendo que tudo deve virar entretenimento? Não! Estou dizendo que a educação deve ser frívola e superficial? De jeito nenhum!

Estou dizendo que nós, enquanto profissionais da área de aprendizagem, devemos sempre buscar conhecer os interesses do aprendiz antes de planejar uma solução. O objetivo é criar experiências que levem isso em conta.

E, caso seja necessário abordar um assunto que, atualmente, não afeta seu público, é fundamental dedicar um tempo planejando como despertar o interesse. Usar histórias, humor e experiências marcantes são algumas estratégias possíveis.

Voltando à história do quarto vazio de Stefan Zweig, é bom lembrar que motivações extrínsecas às vezes matam as motivações intrínsecas.

O ambiente negativo que fez com que o protagonista se tornasse um mestre do xadrez criou nele também uma repulsa ao jogo. Pense em atletas como Ronaldo Fenômeno, que, quando saiu do ambiente profissional, preferiu abandonar a prática de esportes.

Talvez alguém se mate de estudar, por motivações extrínsecas, como a aprovação numa prova ou a obtenção de um certificado. Mas quais são as emoções associadas a estas motivações? Às vezes, ansiedade e até raiva. Será que este é um aprendizado duradouro? Provavelmente, não. Quase todo mundo já passou pelo fenômeno de decorar um conteúdo para uma prova e esquecer tudo no dia seguinte.

Portanto, precisamos pensar em quais emoções estamos despertando. Interesse, significado, conexão são elementos que nos afetam positivamente, despertando sentimentos e emoções favoráveis ao aprendizado.

Meu convite é: quando criar sua próxima experiência de aprendizagem, pense: qual é a emoção que está despertando? Se for tédio, repense sua solução!

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Nira Bessler
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Written by Nira Bessler

Lifelong learner. Apaixonada por aprendizagem.

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