Toda Memória é Afetiva

Nira Bessler
3 min readNov 18, 2019

--

Do seu tempo de escola, quais são suas principais lembranças?

Se você é como a maioria das pessoas, o que veio à sua mente não foi uma fórmula incrível de matemática nem aquele famoso soneto do Olavo Bilac (Ora, direis… ouvir estrelas).

Um professor superlegal, seus melhores amigos, algum passeio diferente ou mesmo um dia ruim ou uma humilhação são opções mais prováveis.

E por quê? Por que lembramos tão pouco do conteúdo que aprendemos na escola? E, por outro lado, por que guardamos na memória eventos que não estão relacionados aos estudos em si, mas sim a pessoas e experiências?

Há muitas teorias a respeito. Atualmente, estou atenta a uma delas, cuja premissa é: nossa memória não armazena informações, mas apenas nossa REAÇÃO a um fato ou uma experiência.

Ou seja, nós lembramos apenas de como reagimos a uma experiência e não da experiência em si.

Uma das minhas boas recordações da escola é do livro Dom Casmurro, de Machado de Assis. E o que fez a nossa professora de literatura, a querida Maria? Uma palestra, uma explicação? Não. Ela dividiu a turma em grupos, que leram diferentes livros. Depois, cada um escolheu uma forma de apresentar as histórias aos outros alunos.

Meu grupo decidiu produzir um filme mudo! Sim, um filme mudo. Pense que isso foi nos anos 90. Nós discutimos o livro, escrevemos o roteiro, ensaiamos, gravamos em VHS, editamos usando dois videocassetes, produzimos letreiros (um filme mudo, lembra?) com Mario Paint, selecionamos e incluímos a música (tema do filme Golpe de Mestre). Viramos a noite para terminar a tempo!

Como esquecer Dom Casmurro? Machado de Assis é até hoje um dos meus escritores preferidos.

Lembro da minha emoção de fazer o filme. Minha ansiedade de mostrar aos outros alunos. Nós nos divertimos, rimos e nos envolvemos com a história de Capitu, Bentinho, Escobar e Ezequiel.

Por outro lado, lembro pouco ou quase nada de vários outros autores que estudei na escola.

Você pode perguntar, mas o que há de novo nisso? Todo mundo sabe que a emoção é fundamental, é ela quem consolida o aprendizado.

Bem, essa teoria vai um pouco mais longe: não há aprendizado sem sentimentos porque eles são a própria MATÉRIA-PRIMA da nossa memória.

“Nossas reações emocionais estão para a memória assim como as letras estão para as palavras.”

E, assim, não existiria este negócio de memória afetiva porque seria uma redundância. Segundo esta teoria, TODA MEMÓRIA É AFETIVA.

A dicotomia entre razão e emoção seria falsa, porque não haveria, em seres humanos, razão sem influência da emoção. Em computadores, sim. Em nós, não.

E quais são as implicações disso para a aprendizagem corporativa?

Muitas! Algumas delas já são bem difundidas, mas com bases teóricas um pouco diferentes. Vou falar um pouco mais sobre isso em outros artigos, porque dá muito pano pra manga.

Mas só para adiantar, algumas ideias:

  • As bases da aprendizagem não são “fatos” e “conhecimentos”, mas sim “reações”, “histórias” e “experiências”
  • A espinha dorsal de uma experiência de aprendizagem tem que ser as pessoas e aquilo que as interessam e não conteúdos
  • As pessoas só aprendem aquilo que importa para elas, aquilo que as toca, aquilo com que se conectam de alguma forma. É papel do profissional de L&D saber o que interessa a seu público-alvo
  • Só há duas duas funções possíveis para um professor ou um designer instrucional: despertar o interesse do aluno ou apresentar o caminho para que ele construa seu conhecimento
  • Portanto, se você precisa que um determinado profissional aprenda algo que não o interessa, é seu papel despertar esse interesse. Como? Despertando emoções e sentimentos
  • Quando produzir sua próxima experiência de aprendizagem, pense: que emoções e sentimentos estou despertando? Se a resposta for tédio, repense sua solução!

Ficou curioso para ler o livro?

Por enquanto, está disponível só em inglês: How People Learn, de Nick Shackleton-Jones.

Se alguém se animar para ler, me avise. Adoraria criar um grupo de discussão sobre ele.

--

--

Nira Bessler
Nira Bessler

Written by Nira Bessler

Lifelong learner. Apaixonada por aprendizagem.

Responses (4)